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O Mestre do Suspense e as Engrenagens do Mistério

Começar este blog com Alfred Hitchcock é quase inevitável — como não prestar homenagem ao homem que transformou o suspense em arte e nos ensinou a sentir medo mesmo quando nada parecia estar acontecendo? Ele sabia exatamente onde colocar a câmera, quando cortar a cena e, principalmente, como conduzir a nossa imaginação para onde ela jamais ousaria ir sozinha.
Mas o suspense não nasceu no cinema. Antes de ser visual, ele foi literário — nasceu nas páginas de autores como Edgar Allan Poe, Wilkie Collins, e, mais tarde, Agatha Christie e Patricia Highsmith. São narrativas que nos arrastam para dentro de labirintos emocionais, onde a dúvida, o silêncio e o não dito são as verdadeiras ferramentas do medo. O que Hitchcock fez foi traduzir esse ritmo, essa tensão e esse prazer ambíguo de não saber… para a linguagem das imagens.
O suspense é, talvez, o mais psicológico dos gêneros. Ele não precisa de monstros nem de sangue. Basta uma porta entreaberta, um relógio que parou de funcionar, ou um olhar que dura um segundo a mais do que deveria. É sobre o que poderia acontecer — e isso, nas mãos de um mestre, vale mais do que mil explosões.
Neste blog, toda semana, vamos explorar esses territórios do cinema, da literatura e das imagens que nos inquietam. E sim, em breve, lançarei meu curso online sobre suspense, mistério e narrativa — um mergulho para quem quer entender como essas engrenagens funcionam, seja para apreciar melhor uma obra ou para criar a sua.
Enquanto isso, convido você a assistir ao vídeo mais recente no meu canal do YouTube, onde continuo explorando temas como esse diretamente das ruas de Paris. Vamos juntos?
Até a próxima leitura,
Ricardo Napoleão

Um Encontro com Yoshi Oïda: A Cena Como Caminho
No último dia 29 de abril, participei de um encontro memorável promovido pelo Nouveau Gare au Théâtre, em Paris, no evento “I want your text” #11, dedicado a intérpretes profissionais. O convidado especial da noite foi Yoshi Oïda, ator, diretor e pedagogo japonês, conhecido por sua profunda influência no teatro contemporâneo e por sua longa colaboração com Peter Brook.
Yoshi Oïda, que hoje tem 92 anos, foi discípulo de grandes mestres no Japão e se destacou desde 1953 em cinema, teatro contemporâneo e televisão. Em 1968, foi convidado por Jean-Louis Barrault a vir à França, onde iniciou sua colaboração com Peter Brook.
No início da década de 1970, ingressou no CIRT – Centro Internacional de Pesquisa Teatral – onde participou de produções históricas como Les Iks, La Conférence des oiseaux, Le Mahabharata, La Tempête e L’Homme qui.Aliás, assisti à montagem de L’Homme qui, dirigida por Brook a partir do livro do neurologista britânico Oliver Sacks. A peça mergulha nas profundezas da neuropsicologia humana, revelando casos extremos de percepção, memória e identidade. Um trabalho impactante que ressoou profundamente em minha trajetória de ator e pesquisador da cena.O encontro no Nouveau Gare teve ainda uma dimensão prática: acompanhamos cenas comentadas por Oïda e trechos do seu livro L’Acteur Flottant lidos por intérpretes parceiros da École Auvray Nauroy — entre eles Yan Allegret, Filipe Barbaras, Sarah Fakhri, Céleste Gaulier, Diane Landrot e Laure Marion. Foi uma verdadeira aula viva sobre presença, escuta e rigor no trabalho do ator.
Rever Yoshi Oïda em cena, refletindo sobre sua pedagogia, foi mais do que um privilégio: foi uma volta à fonte. A pedagogia da cena que ele representa é também uma das bases da minha formação na École Jacques Lecoq, em Paris, e atravessa muitos dos workshops que ofereço pelo mundo. Oïda é um mestre que nos lembra, com humildade e precisão, que o ator é sempre aprendiz. Seu olhar sobre o teatro nô, sua escuta do invisível e seu respeito pelo gesto mínimo renovam o ofício de atuar como um caminho de busca.
Sair desse encontro foi como receber um presente: a certeza de que a cena continua sendo um lugar de descoberta e renovação.